Há muito tempo fala-se numa “troca de guardas” no tênis masculino, visto que desde 2005 ele vem sido dominado por Roger Federer, Rafael Nadal e Novak Djokovic (este, entrando no clube em 2010…) e em menor grau, Andy Murray. Neste período poucos conseguiram furar o “big 4”: Desde que Nadal surgiu para o mundo, em Roland Garros 2005, o magnífico trio que briga pelo posto de “melhor tenista de todos os tempos”, levou 48 dos últimos 56 Grand Slams: Murray levou 3, Stan Wawrinka em campanhas iluminadas levou outros 3, e Juan Martin del Potro e Marin Cilic surpreenderam e garantiram seu nome na história.
Já no tênis feminino, existe uma pluralidade de vencedoras: nos últimos 56 torneios, tivemos 22 vencedoras, com apenas 6 vencendo mais que dois torneios: Venus Williams e Angelique Kerber levaram 3, Maria Sharapova, Kim Clijsters e Justine Henin venceram 4 e Serena Williams ganhou 16.
Serena vem dominando o esporte há 20 anos, de uma maneira mais sutil, ainda que sempre presente. Desde 1999 ela só não atingiu a final de um Grand Slam em 2000 e 2006. Ela entra no torneio, não importa qual ranking, com pinta de favorita e muitas de suas derrotas podem ir para sua conta. A pirraça no US Open é a prova mais midiática disso, mas também a derrota na semi do US Open 2015, a final da Austrália em 16, entre outras.
Sua campanha neste torneio foi marcante neste sentido: No que muitos chamaram de final antecipada (um tanto antecipadamente…), Williams entrou em quadra na quarta rodada diante da número 1 do mundo com todo o favoritismo, carregando a vantagem de 7-1 no duelo – única derrota aconteceu na fase de grupos do Finals de 2014, que terminou com título de Serena diante… de Halep! Serena começou voando, sem dar chances para a romena (6-1), mas o resto do jogo foi bem mais apertado e o terceiro set poderia ter ido para qualquer lado.
Em seguida, quando parecia mais favorita do que nunca para finalmente atingir o 24º Grand Slam, e igualar o número de Margaret Court (que jogou antes da Era Aberta, quando as principais tenistas não viajavam à Austrália) e seu primeiro Grand Slam como mãe. Em mais um de seus altos e baixos, Serena conseguiu virar as quartas contra Karolina Pliskova de 4-6; 1-3 para 4-6, 7-5, 5-1. Talvez atrapalhada fisicamente ou mentalmente por uma leve torção e queda, Serena saiu completamente do jogo e levou 6 games seguidos.
Mais do que uma eliminação em quartas de Slam – algo não exatamente vexaminoso ou decepcionante – esse Aberto da Austrália marcou um cenário da WTA inverso do que acontecia nos últimos anos em que Serena Williams partilhava o topo do ranking e os títulos com duas ou três adversárias que viviam um bom momento e contra quem geralmente tem um certo domínio nos duelos diretos (Henin, Clijters, na virada da década, Azarenka e Sharapova nos últimos anos, Kerber recentemente, Venus sempre). Temos agora um nivelamento fortíssimo entre as melhores jogadoras, em que a maioria parece se superar ao máximo nos grandes torneios, e mostrando consistência. Três pontos apontam para isso:
1- Nenhum domínio claro no ranking e nos títulos
O Aberto da Austrália começou sob uma estatística interessante: Os últimos oito Grand Slams foram vencidos por oito jogadoras diferentes e não era improvável que uma nona jogadora, seja uma surpresa ou uma semi-veterana ampliasse a lista.
Também no início do torneio, onze jogadoras tinham chances de terminar a competição na liderança do ranking. Entre os nomes de jogadoras que não constavam neste bolo, as multi-campeãs de Grand Slam Serena Williams, Venus Williams, Azarenka, Sharapova, Murguruza e Kerber. Todas elas fizeram um grande torneio e foram eliminadas em fortes duelos. A partir das quartas, já viu-se duelos diretos entre as postulantes (Svitolina x Osaka nas quartas, Pliskova x Osaka na semi e Kvitova x Osaka na final).
2- Grandes jogos, avanço das favoritas e surgimento de novas caras
O torneio feminino foi um dos mais fortes Grand Slams dos últimos anos, com jogos de alto nível, combinando as grandes favoritas seguindo para as fases finais e uma dose de zebras que fizeram merecer o avanço.Pela primeira vez desde Wimbledon 2009, as oito primeiras cabeças de chave chegaram na terceira rodada. Nesta fase, já tivemos alguns grandes duelos: Simona Halep, que passou apuros na segunda rodada contra Sofia Kenin, vencendo Venus Williams; Garbine Murguruza, ex-número 1 e atual 18 do mundo, passando por 3 sets diante da suiça Timea Bacsinszky, ex-top 10 e que volta de lesão; Petra Kvitova atropelando Belinda Becic; Hsieh Su-wei assustando Naomi Osaka, que prevaleceu em 3 sets; e o principal deles, a atual campeã Carolina Wozniacki perdendo para Maria Sharapova, que ainda não conseguiu ter sucesso após ser pega no doping e não sabe lidar bem com a imprensa e o público, como demonstrou muito bem (ou melhor, muito mal), na coletiva depois da derrota para a esperança local, Ashleigh Barty, na quarta rodada – atenção para as perguntas entre 00:35 e 2:21)
Na quarta rodada, tudo ficou mais intenso: Sloane Stephens que parecia uma das favoritas a tomar a liderança de forma inédita caiu para a russa Anastasia Pavlyuchenkova; Angelique Kerber, número 2 do mundo, foi atropelada por Danielle Collins (6-0, 6-2), Osaka e Elena Svitolina sobreviveram a 3 sets e mantiveram vivas as chances de atingir de forma inédita a liderança e Kvitova confirmou-se como o principal nome do torneio, ao passear por cima da sensação norte-americana Amanda Anisimova, 6-2, 6-1. Anisimova, com apenas 17 anos e meio, foi a primeira tenista nascida no século XXI a atingir a quarta rodada de um Grand Slam.
Todos esses elementos deixaram o Slam muito empolgante. Collins teve seu primeiro grande resultado em Grand Slam depois de se dedicar à carreira universitária (e ao tênis universitário norte-americano), provando que existem outros caminhos além do traçado pela maioria de tenistas – Kevin Anderson seguiu o mesmo caminho inclusive. Pliskova já foi número 1 do mundo em 2017 e tentava conseguir seu primeiro Grand Slam – e automaticamente retomar o número 1 do mundo.
3- Final e surgimento de uma estrela?
A final teve todos os ingredientes para coroar esse torneio. Tanto Naomi Osaka quanto Petra Kvitova buscavam a liderança inédita no ranking e desafios especiais: Osaka, vencedora do US Open, seria a primeira jogadora desde Jennifer Capriati a conquistar o segundo Slam imediatamente após o primeiro – dobradinha Austrália-França em 2001 – ou ainda o primeiro bi-slam desde o “Serena Slam”, entre US Open de 14 e Wimbledon de 15. Já Kvitova, campeã de Wimbledon em 11 e 14, coroaria um retorno inacreditável após a facada que levou num assalto no final de 2016.
Osaka, tinha vencido seus últimos quatro jogos em três sets, virando na terceira e quarta rodada. Já Kvitova não tinha perdido um set, e estava voando em quadra com um tênis super agressivo. Mais uma vez tivemos a prova de que uma campanha não faz uma final. Ainda que Kvitova seguisse com winners sem parar e apresentando um tênis vistoso e lindo de ver, não aproveitou as muitas chances enquanto Osaka parecia focada e ganhou as poucas chances que teve. Ao ter três match points em 7-6, 5-3, 0-40, Osaka já olhava a taça. Numa reviravolta incrível, Kvitova salvou todos os pontos, quebrou em seguida por duas vezes a adversária e fechou o set em 7-5 mostrando uma rara perda de equilíbrio de Osaka.
A tenista norte-americana que defende o Japão e é marcada por sua atitude tímida e minimalista em demonstrar emoções parecia descontrolada e a beira das lágrimas. Foi ao vestiário e conseguiu uma quebra fundamental já no terceiro game. Kvitova teve chances de quebra no sexto game, mas Osaka conseguiu salvar, o que selaria seu título.
É apenas seu terceiro título, depois de Indian Wells e US Open. Tal qual Serena, ela parece a jogadora que sabe focar e apresentar seu melhor tênis, não exatamente vistoso, nos principais palcos. A ver agora como ela irá se portar como a nova líder do ranking feminino e grande estrela da WTA. Seria o início de um novo domínio, tal como Williams – lembrando que Osaka tem apenas 21 anos?
É preciso esperar também para saber se esse Aberto da Austrália foi uma exceção ou começo de uma nova Era, em que as principais jogadoras apresentam resultados consistentes nos principais torneios. É importante lembrar, que alguns meses atrás, nenhuma das 10 primeiras cabeças chegou nas quartas de Wimbledon. Enquanto essa inconsistência nos jogos e nos torneios vem sendo uma marca da WTA, o Aberto da Austrália deste ano mostrou que o torneio feminino, em seus jogos de “apenas” três sets podem apresentar fortes emoções no mais alto nível.